ESCOLA CONFESSIONAL

Cynthia Paes de Carvalho & Fernanda Braga

O aluno [da escola confessional] apóia o cotovelo e estuda

Apresentação

        O texto que se segue pretende descrever a escola confessional com base nas informações obtidas na página da escola na Internet, complementadas por outras encontradas em matérias publicadas na imprensa e junto à coordenação da escola. Além disso, busca-se traçar um retrato sintético das informações coletadas sobre os alunos, pais e professores da 8ª série do ensino fundamental com base nas respostas obtidas através dos questionários do SOCED aplicados em 2004. Cabe assinalar que na descrição dos dados foram estabelecidas comparações com os percentuais obtidos na média das demais escolas investigadas, que se encontram registrados entre parênteses em cada referência.

        O objetivo do presente texto é apresentar o conjunto atualmente disponível de informações sobre a escola que possa servir como pano de fundo para a análise a ser desenvolvida a partir da pesquisa de campo, iniciada em 2006, que deverá focalizar o clima escolar e os fatores que contribuem para a construção da qualidade do ensino.

Um colégio católico tradicional

        A ordem religiosa responsável pela fundação e manutenção do colégio surgiu no século VI na Itália e toma como fundamentos a oração e o trabalho (o estudo também faz parte da vida religiosa enquanto expressão de trabalho intelectual ou oração). A ordem se estabeleceu no Brasil em 1581 e no Rio de Janeiro em 1586. Com extensa tradição de erudição e prática contemplativa, a ordem mantém há séculos também uma tradição de trabalho educacional. No Rio de Janeiro, embora mantivesse desde o início de sua presença serviços de natureza educativa, o colégio é fundado em 1858, funcionando como externato gratuito até 1914. Entre 1915 e 1922 o colégio operou em regime de internato e a partir de 1928 passa a admitir alunos em horário integral ou semi-internato.

        Em 1905 inaugurou-se um edifício próprio para a escola contíguo às instalações dos religiosos, que foi ampliado em 1928. O atual edifício, um prédio moderno projetado para ser colégio, foi construído entre 1960 e 1970. Pode-se dizer que se trata de um espaço escolar “profissional” no que se refere ao estilo arquitetônico: toda a distribuição dos espaços foi desenhada tendo em vista sua funcionalidade para o trabalho educacional proposto. Os corredores e salas são amplos, padronizados e ventilados, permitindo a circulação livre de entraves físicos. No estilo severo da construção alicerçada numa pedreira localizada em área bastante movimentada da cidade, predominam o concreto aparente e as paredes brancas. O prédio foi construído formando um “L” em torno de uma área central com jardins (onde predominam folhagens e árvores), pátios e quadras de esportes. A dureza dos materiais e a retidão das linhas são compensadas por grandes espaços envidraçados de onde se tem geralmente uma bela vista para o mar ou para os jardins.

        De acordo com a página da escola na Internet, ela se define, fundamentalmente, como uma escola católica, criada como serviço de apoio às famílias católicas na educação de seus filhos, ministrando um ensino impregnado da meta que é a formação católica. Nesse sentido, a proposta educacional é lastreada numa concepção de homem como

  criatura de Deus, objeto do Amor e da Providência de Deus, e destinado a ir além de si mesmo, pela participação na vida divina. O homem é um ser perfectível e educável. É naturalmente ordenado à vida em sociedade - ser comunicativo, criado à imagem de Deus - mas cada pessoa humana tem uma vida própria e não pode ser reduzida a mero número ou a simples meio a serviço da sociedade - primazia do indivíduo. [A educação], expressão da vida social e comunicativa do homem, [é fundamentalmente considerada um] processo interior e pessoal em busca da plenitude humana. O processo educacional é inseparável da formação religiosa, devendo ser firmado no ensino religioso, explícito, programado, ordenado.

        O trabalho educacional é definido como auxílio da geração mais velha a mais jovem com vistas a sua condução segura à sua plenitude humana. O trabalho educativo se completa com a vida associativa dos alunos e as atividades correlatas a ela, entre as quais as jornalísticas e literárias se destacam como uma tradição no colégio.

        Todo o desenho curricular dos diferentes segmentos e o calendário anual com todas as atividades previstas é divulgado através da página da escola na Internet, onde também são mostradas fotos das instalações e uma lista com 18 ex-alunos ilustres, personalidades reconhecidas e destacadas publicamente na história do país e da cidade em diferentes áreas (artes, direito, jornalismo, política, etc.). Encontra-se ainda neste espaço os nomes de todos os diretores e reitores da escola desde sua fundação, bem como o nome de todos os professores e funcionários da escola, organizados por matéria lecionada e segmento escolar. A preocupação em mostrar o conjunto dos responsáveis pelo trabalho educacional parece indicar tanto uma valorização institucional deste trabalho, como sua provável consolidação no tempo. Também se encontra aí um espaço para os ex-alunos com um sistema de busca de informações sobre os antigos colegas de turma.

        Finalmente, são divulgadas pela escola na Internet as listas dos alunos formados nos últimos três anos e os percentuais alcançados (aprovação e reprovação por área e instituição) nos vestibulares destes anos. Este último aspecto chama particularmente a atenção, uma vez que parecem ser bastante raros os casos de escolas que mostram não apenas seus “êxitos” no vestibular, mas também seus resultados negativos. De qualquer forma, contata-se que 87% dos alunos tiveram aprovação nos vestibulares 2005, nas universidades de maior prestígio da cidade e do país: UFRJ, UERJ, UFF, PUC, UNIRIO, FGV, IBMEC, UNICAMP, USP.

A organização escolar

        A escola tem cerca de 1200 alunos, distribuídos da seguinte forma: 34% no 1º segmento do ensino fundamental (1ª a 4ª série) em horário integral; 41% no 2º segmento do ensino fundamental (5ª a 8ª série) e 23% no ensino médio. Entre os alunos de 5ª a 8ª série, parte freqüenta a escola em regime de semi-internato (aulas curriculares pela manhã e estudo dirigido à tarde) e parte freqüentando a escola apenas pela manhã.

        Segundo a coordenação de 7ª e 8ª série, o número de turmas de estudo dirigido diminui conforme a série aumenta: os mais velhos parecem preferir estudar só na parte da manhã. Dessa forma, atualmente a escola, que tem quatro turmas por série com cerca de 30 alunos cada, possui três turmas de estudo dirigido na 5ª série, duas na 6ª série, duas na 7ª série e somente uma na 8ª série. Os alunos que participam do estudo dirigido almoçam na escola e só podem deixar o prédio no final do expediente.

        No ensino médio inaugura-se em 2006 o atendimento também em horário integral para todas as turmas, como uma experiência piloto no 3º ano, com vistas à implantação deste regime em todas as séries. O modelo semelhante usado é ao do 1º segmento do ensino fundamental, isto é, com a grade curricular distribuída por todo o período e não concentrada na parte da manhã. Da 5ª série ao 3º ano do ensino médio, todos os alunos assistem também a quatro tempos de aula aos sábados pela manhã.

        Cada segmento da escola tem um ou mais coordenadores e orientadores educacionais. Além deste nível “horizontal” de gestão do trabalho pedagógico, responsável pelo gerenciamento do conjunto das atividades das diferentes séries da escola em cada nível de ensino, a escola possui coordenadores verticais por matéria1 , selecionados entre os próprios professores da casa, que se reúnem mensalmente com suas equipes. Também são realizadas reuniões mensais dos professores (por série) e das coordenações (por série e segmento).

        Desde 2003 a escola implantou o serviço de supervisão pedagógica e contratou uma consultoria externa para assessorar o processo de consolidação da proposta pedagógica institucional. A direção do estabelecimento - reitor e vice-reitor - é exercida diretamente por membros da ordem religiosa mantenedora, escolhidos pela direção desta para assumir esta responsabilidade por um período variável. A contratação da consultoria pedagógica e da supervisão foram em grande medida motivadas pela mudança na direção com a saída do antigo reitor, que ficara no cargo quase cinqüenta anos, e se constitui ainda hoje, com 96 anos, como referência viva e inspiração para a proposta educacional da instituição.

As famílias dos alunos da 8ª série no questionário do SOCED

        As informações ora apresentadas referem-se ao conjunto de 60 (58% do total dos pais dos alunos da 8ª série em 2004) famílias de alunos que devolveu os questionários preenchidos2 . Nesse universo, as famílias são relativamente pequenas com apenas um a dois filhos morando em casa (53 % possui dois filhos e 35% possui um filho). A quantidade de genitores divorciados (28%), maior que na média do conjunto das outras escolas (19%), chama a atenção numa escola tão tradicional e católica. No que tange a renda familiar pode-se observar que mais de 50% declaram uma renda bruta mensal nas faixas acima de R$ 8.000, um pouco mais alta do que a média das famílias das demais escolas (40%).

        Do ponto de vista da titulação acadêmica, os pais e mães da escola confessional diferem pouco dos das demais escolas pesquisadas: há uma grande concentração daqueles que possuem apenas curso superior (53% dos pais e 55% das mães), seguido pelos que concluíram cursos de especialização (22% dos pais e 24% das mães). Cerca de 19% dos pais e 16% das mães possuem títulos de pós-graduação strictu sensu: 16% e 12%, respectivamente, concluíram o mestrado, enquanto 3% possuem doutorado.

        Quanto às razões que influenciaram a escolha da escola, a resposta assinalada pelo maior número de pais (98%) foi “A escola oferecer uma boa formação cultural”, como nas outras escolas. Houve contraste, no entanto, na seleção de algumas outras opções do questionário também foram escolhidas por um conjunto significativo de pais, nesse caso em contraste com as fornecidas em média pelos pais das demais escolas de prestígio investigadas: 95% alegaram a “boa aprovação no vestibular” (49%); 93% afirmaram que o fato de “Ser uma escola de prestígio” influenciou sua decisão (56%).

        Coerentemente com a opção mais escolhida como razão para a escolha da escola, para 100% dos pais, cabe à escola propiciar ao filho uma boa formação cultural. Nesta questão era possível escolher mais de uma resposta, as opções “Aprender o valor do esforço”, “Adquirir senso crítico”, “Aprender a respeitar regras” também foram selecionadas por mais de 90% dos pais.

        Na comparação com a média das outras escolas investigadas, observa-se que os pais dos estudantes da Confessional parecem investir mais no acompanhamento das tarefas escolares dos filhos: 39% afirma acompanhar os trabalhos mesmo quando eles não pedem ajuda (24%). O número de pais que alega oferecer apoio nos estudos quando os resultados escolares não estão bons é um pouco menor do que na média das demais escolas (54% X 68%). Vale observar, entretanto, que a escola realiza um monitoramento permanente do rendimento dos alunos, notificando as famílias sobre necessidades de apoio extracurricular, via de regra oferecido na própria escola e supervisionado pelos professores de cada matéria. Nesse sentido, os dados mostram a necessidade de aprofundar a coleta de informações e a análise sobre este aspecto da relação família-escola.

Os alunos da 8ª série no questionário do SOCED

        Os questionários do SOCED foram respondidos pela totalidade de 96 alunos da 8ª série em 2004. A faixa etária dos alunos está concentrada em 15 anos (53%), de forma semelhante à média das demais escolas pesquisadas à época (49%).

        Em termos dos itens que possuem no quarto, os alunos da escola confessional também não se diferenciavam dos demais: 76% tem televisão, 73% tem mesa de estudo e 60% tem computador. Também no que toca ao conhecimento de inglês, as diferenças são pouco significativas e 75% considerava seu conhecimento “bom”. Como nos demais colégios, mais de dois terços dos alunos realizava atividades esportivas e cursos de língua estrangeira como atividade extracurricular.

        Se de um lado, o percentual dos que afirmaram ler “quase sempre” livros de ficção é maior do o da média das demais escolas (73% X 53%), de outro, no que se refere à leitura de jornais, o percentual do que afirmam “nunca” fazê-lo é muito superior às outras escolas (92% X 62%). Pode-se indagar em que medida o trabalho de incentivo a leitura da escola poderia estar relacionado a este resultado, a partir de uma provável ênfase na literatura superior à leitura de jornais. A possível ênfase num consumo cultural “mais cultivado” poderia estar também se refletindo nas escolhas no que toca aos programas de TV assistidos: a única escolha diferente da média das demais escolas foi a de “documentários” (71% X 61%).

        Como nas demais escolas, mais de 85% afirmou que nunca repetiu de ano. Para a maioria, suas notas estão “na média” (47%) ou “acima da média” (42%). Mais de 1/3 dos alunos (37%) afirmou estudar 5 horas ou mais por semana, num resultado significativamente superior à média das demais escolas (17%). Considerando que pelo menos um quarto dos alunos provavelmente freqüentam o período integral nessa escola (com a grade curricular comum pela manhã, aulas aos sábados e estudo dirigido à tarde), não surpreende que mais de 30% afirmam “nunca” estudar no fim de semana, enquanto na média dos demais colégios, esta opção foi escolhida por apenas 19% dos respondentes.

        Da mesma forma, a oferta de aulas de apoio monitoradas pelos professores da escola possivelmente explica nesse caso, pelo menos em parte, o fato de 63% alegar que não teve professor particular. Dentre os 38% que disseram ter-se valido deste tipo de apoio quando se fez necessário 53% o fez em somente uma matéria. Também entre estes, 83% alegaram ter tido aulas particulares “porque achei necessário”.

Os professores da 8ª série no questionário do SOCED

        A escola confessional tem um corpo docente de 5ª a 8ª série e ensino médio composto por 66 professores, dos quais 19 lecionam na 8ª série, e 100% responderam ao nosso questionário. Todos os respondentes tinham mais de 16 anos de formados, o que corresponde a um maior tempo de exercício da profissão que a média dos professores das outras escolas. 44% têm mais de 25 anos como professor e não há no colégio professores com menos de 6 anos de experiência. Mais da metade (53%) dos professores trabalha na escola entre 6 e 15 anos. Mais de 1/3 (37%) exerce o magistério apenas neste colégio, o que também ocorre na média das demais escolas (41%). Quanto à carga horária semanal, há percentuais semelhantes (32%) entre os que trabalham até 10 horas-aula e os que trabalham na escola confessional até 40 horas-aula. Nas outras escolas há uma distribuição mais eqüitativa entre as opções de até 20, 30 e 40 horas-aula.

        Do ponto de vista da formação, 37% fez mestrado, e a maioria (79%) trabalha ou trabalhou na rede pública.

        A remuneração dos professores da escola confessional é maior do que a dos professores da média das outras escolas: 53% tem um salário de mais de R$4.400 reais, enquanto na média das outras apenas 33% está nesta faixa salarial. No entanto, somente 43% dos professores da escola confessional avalia que o seu salário está acima da média.

        Na escola confessional encontramos um equilíbrio para professores do sexo masculino (47%) e feminino (53%), enquanto que na média das escolas pesquisadas há uma predominância do sexo feminino (63%). Quanto à idade, 47% dos professores da escola confessional encontrava-se na faixa de 40 a 49 anos (30% na média) e 42% na faixa de mais de 50 anos (34%3 ).

        Ao opinar sobre as características dos colegas de trabalho, os professores da escola confessional afirmaram que a grande maioria (94%) “são comprometidos c/ que todos alunos aprendam”; 77% (65% na média das demais escolas) “assumem a responsabilidade de melhorar a escola”; e 71% sentem-se responsáveis pelos resultados dos alunos.

        Em termos das características dos alunos, segundo os professores, 94% os considera educados e 81% críticos; 82% (43% na média das demais escolas) considera os alunos estudiosos. Contrastando com a média das demais escolas, somente 56% (86%) acha os alunos agitados. Os percentuais assinalados nas opções “desligados” e “arrogantes”, foram semelhantes à média geral em torno de 20%.

        Em 2005, conforme foi ofertado a todas as escolas pesquisadas, os principais resultados do survey, bem como algumas análises produzidas pela equipe, foram disponibilizadas e debatidas com a escola confessional. Em 2006, contando com total apoio e interesse da escola confessional na continuidade do trabalho, retornamos à escola para a 2ª etapa da pesquisa: o trabalho de campo, ora em curso, ao longo do qual serão desenvolvidas observações nos diversos ambientes e atividades escolares e espera-se realizar um conjunto de entrevistas em profundidade. Neste novo momento, o foco é a investigação do clima escolar e dos fatores que contribuem para a construção da qualidade do ensino.




1 Português, Matemática, Inglês, Francês, História e Geografia.

2 Cabe observar aqui, que a solicitação de preenchimento foi feita por carta e pelo envio do material através dos próprios alunos, não tendo havido contato direto com os pais nesse processo.

3 Relembramos que os percentuais entre parênteses correspondem à média das demais escolas pesquisadas.